Desejos vindos do lixo
João, 11, Júlio, 14, e Mateus, 12, (nomes fictícios). Três moradores do Jardim Aeroporto. Três meninos cheios de sonhos. Três garotos que encontraram nas montanhas de entulho do Aterro de Resíduos Inertes do bairro o caminho para realizar desejos.
Desejo de jogar videogame na locadora que cobra R$ 1,50 por hora, comprar bolachas, salgadinhos, doces e iogurte do mercado do bairro.
Com idades entre 10 e 14 anos, após a escola, eles passam horas no local vasculhando o material depositado por caçambeiros em busca de latinhas, papelão, pets, fios de cobre e outras sucatas para vender ao ferro-velho e ganhar dinheiro.
João descobriu a oportunidade de conseguir uns trocados no lixo com um amigo. "Não tenho nada para fazer. Venho, cato e vendo no sucateiro para ganhar dinheiro". Quando passa por lá, consegue uns R$ 3, R$ 4 por dia. "Levo os fios para casa e descasco para tirar e vender o cobre. Pego latinhas, papel e plástico também", disse ele, enquanto segurava uma sacola plástica verde com alguns fios dentro.
Ele estuda na 4ª série e caça os objetos pelo menos uma vez por semana. Nestes dias, fica no aterro por cerca de uma hora e meia. "Venho porque quero. Minha mãe deixa. Uso o dinheiro para comprar bolacha, skiny (salgadinho) e, às vezes, pão, açúcar e café para ajudar ela. Ela é pespontadeira, mas está sem serviço". Quando não está lá, João gosta de jogar bola na rua, treinando para realizar seu maior sonho: ser jogador de futebol.
Na tarde de terça-feira, Júlio, estudante da 6ª série, o acompanhava de cima de um dos montes de tijolos, azulejos e outros materiais de construção. "Criança não pode entrar aqui, mas a cerca estava aberta... Venho pegar sucata quase todo dia", disse. O jovem não consegue muito, mas a venda de cobre e alumínio é suficiente para se divertir algumas horas na locadora de videogame. "Meu sonho é ter um videogame, mas enquanto não realizo, vou continuar catando e pagando para jogar".
Outra criança vista freqüentemente perambulando pelos montes de lixo do aterro é Mateus, 12, que está na 4ª série. Há cerca de dois anos costuma acompanhar o avô e o tio, que sobrevivem como catadores.
O mais velho de quatro irmãos, Mateus não gosta de ficar parado e, depois das aulas, almoça, e segue para o aterro, onde fica entre 13 e 17 horas, umas três vezes por semana. "Ninguém me força a vim. Não gosto muito de brinquedos mesmo. Aqui, fico andando com eles e ajudo a catar sucata. Eles me dão uns R$ 5 por semana". Mateus gasta o dinheiro em bolachas e iogurte com os irmãos.
O avô, o catador Gonçalo Evangelista, 53, diz que prefere o neto no aterro, sob seus olhos, a deixá-lo brincar na rua. "Pelo menos lá, ele fica do meu lado; não na rua soltando papagaio, caçando confusão ou no meio de droga e bebidas. Ele vai na escola e fica comigo lá só num pedaço do dia".
A vontade dele e de sua mulher é ver o neto em outro lugar, num programa social, com atividades certas e saudáveis para a idade dele. "Estou doente. Tenho hemorragias e não posso ficar andando para ver o que faz na rua. Queria que ele fosse atendido por alguém, como meu outro neto (primo dele), que faz atividades da Pastoral da Família. Queria o mesmo para ele", disse a avó, Leontina Evangelista, 51, dona de casa.
Fonte: Comércio da Franca - SP
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