Por FRED GARDNER
Nos últimos 10 anos, médicos da Califórnia autorizaram o uso de cannabis para pelo menos 350.000 pacientes. O que aprenderam eles a respeito dos efeitos adversos da substância?
De acordo com uma pesquisa entre 19 médicos associados à Sociedade dos Clínicos de Cannabis - Society of Cannabis Clinicians - SCC, os efeitos colaterais são relativamente raros, brandos, e transientes. Não houve mortes, não houve efeitos adversos maiores atribuídos à cannabis -- com uma exceção envolvendo a afirmação de uma psiquiatra do establishment de que a cannabis induziu e exacerbou psicose numa pessoa de 18 anos que ela havia colocado em regime de Lexapro e Zyprexa.
Seguem-se comentários dos médicos da SCC.
Frank Lucido, MD: Efeitos adversos relatados são raros, em parte devido a o paciente que vem para uma consulta médica de cannabis já ter descoberto que a cannabis traz benefícios. (Tive talvez 10 pacientes em 10 anos que nunca haviam experimentado cannabis, ou que não a haviam usado durante muitos anos e estavam em dúvida quanto a se ela trataria eficazmente suas atuais doenças ou sintomas.) Dois pacientes descontinuaram o uso em reação contra decréscimo de produtividade. A esmagadora maioria relata que é MAIS produtiva quanto seus sintomas são controlados com cannabis.
Robert Sullivan, MD: Nada comuns (cerca de 1 por cento), nada 'sérios.' Ganho de peso, tolerância(*), ansiedade (relacionada com possível roubo de um jardim fora de casa), boca seca, decréscimo da memória de curto prazo, ansiedade, olhos vermelhos. Todos descritos em atenção a meu questionário (não espontaneamente). Nenhum caso resultou em cessação do uso da cannabis.
(*) tolerance - a capacidade do corpo de tornar-se menos responsivo a uma droga.
Marian Fry, MD: As reações negativas mais significativas são as relacionados com o medo de ser preso e com os resultados de abusos perpetrados por autoridades não dispostas a obedecer a lei da Califórnia.
William Toy, MD: Os efeitos adversos mais importantes são problemas respiratórios causados pelo ato de fumar. A maior parte dos pacientes que têm problemas respiratórios usam vaporizadores ou formas comestíveis de cannabis. Fizemos todo o possível para que os pacientes usassem vaporizadores e agora temos apenas um pequeno percentual de fumantes -- em sua maioria pessoas que já vêm fumando maconha há 30-40 anos. A maior parte, neste grupo, usa muito pouco, talvez uma ou duas doses por dia.
Philip A. Denney, MD: Praticamente nenhum relatado por pacientes, exceto contatos com o sistema legal. Os pacientes conseguem parar facilmente a fim de passar em testes de drogas ou quando em viagem. Superdosagem de cannabis comestível -- uma desagradável sonolência com duração de seis a oito horas -- é rara e transiente.
David Bearman, MD: Queixas ocasionais de tosse. Muito mais queixas relativas a Marinol do que a cannabis -- disforia, ineficaz, custo alto demais.
Tom O'Connell, MD: A mais comum é a reação "paranóide," na qual, caracteristicamente, um usuário que esteja "alto" desenvolve a desconfortável sensação de que todo mundo que ele vê SABE que ele está alto e sente reprovação em relação a ele. Quase sempre isso ocorre numa situação em que a pessoa pode ser forçada a inesperadamente ter que lidar com o público. Isso certamente requer estudo adicional. De qualquer maneira, pessoas dissuadidas de usar maconha não estão fazendo fila em busca de aprovação pelo que fizeram.
William Courtney, MD: Significativo número de pacientes de meia-idade não mais está enamorado dos efeitos psicoativos que anteriormente eram o ponto alto de seu uso de cannabis. Para ele, o que antes era eufórico tornou-se disfórico. Tais pacientes toleram as propriedades ansiogênicas a fim de aproveitar os efeitos antiespasmódicos ou analgésicos -- mais ou menos como um paciente de quimioterapia aceita relutantemente a náusea em troca dos efeitos antitumorais. Enquanto que alguns pacientes descobriram que há variedades que proporcionam alívio sem disforia, outros se entusiasmam com a possibilidade de analgesia diurna por CBD (*) ou modulação autoimune sem alteração da lucidez.
(*) CBD, ou cannabidiol, é outra forma de cannabinóide que parece reduzir o efeito psicoativo e reduz as reações de ansiedade e pânico ocasionalmente causadas pela cannabis (vide
www.seedsman.com/en/resources/definitions )
Dr. A.: Tivemos diversos relatos de reação hipotensiva -- queda súbita da pressão sanguínea, o que resulta em desmaio. É muito raro e, como relatado por meus pacientes, algo que só acontece uma vez. Normalmente acontece depois de uma refeição principal, quando o trato gastrointestinal está aberto e absorve muito sangue.
Jeffrey Hergenrather, MD: Se há um lado negativo no uso de cannabis? O senso de intoxicação raramente dura mais do que uma hora e tende a ser mais problemático para o novato do que para o usuário experiente. Para algumas pessoas a cannabis pode induzir boca seca, olhos vermelhos, andar instável, descoordenação branda, e perda de memória de curta duração, todos esses transientes. Esses efeitos são, de acordo com os relatos, triviais, quando comparados com aqueles acarretados pelas alternativas farmacêuticas.
O uso de cannabis está gradualmente encontrando aceitação na sociedade. Entretanto, para muitos permanece canhestro, se não totalmente inviável no local de trabalho. Pessoas cujo trabalho requeira multitarefas tais como pilotos, motoristas, despachadores de encomendas, operadores de mesas telefônicas (*) e muitos profissionais consideram os efeitos intoxicantes da cannabis inadequados no local de trabalho, e assim reservam seu uso para depois do expediente.
(*) switchboard operator - pessoa que responde a ligações telefônica e conecta as pessoas que telefonam com as pessoas com quem elas querem falar, em hotéis, escritórios, eficícios públicos etc. (MacMillan)
A pesquisa, conduzida por nosso correspondente para a próxima edição de O'Shaughnessy's (e antecipada exclusivamente em CounterPunch), não pretende ser rigorosa. Envolve a população de pacientes menos provável de experienciar eventos adversos e uma configuração dentro da qual eventos adversos podem ser minimizados (exames nos quais o paciente está buscando a aprovação do médico para o uso). Como o Dr. Lucido e outros ressaltam, nos primeiros 10 anos da legalidade trazida pela Prop 215, quase todos os pacientes em busca de aprovação do médico para usar cannabis haviam-se automedicado anteriormente com resultados positivos. Pacientes efetivamente ingênuos têm sido raros -- e aqueles sofrendo efeitos colaterais indesejáveis provavelmente não voltariam ao médico para renovação, isto é, suas reclamações não seriam relatadas.
A acusação de que o uso de cannabis causou e depois aumentou a gravidade de um surto psicótico numa pessoa de 18 anos foi feita por uma psiquiatra da Universidade de Stanford, Dra. P., que deu entrada numa reclamação junto à junta médica do estado contra o médico que havia aprovado a medicação. "Acredito que o THC [tetrahidrocannabiol] fez com que a depressão dele piorasse, interfere com medicamentos antidepressivos, e claramente causou a psicose nele," disse a Dra. P à junta. "Ele está também psicológica e fisicamente dependente da substância. Recusa-se a parar. Até admitiu estar procurando a justificativa de maconha médica para usá-la regularmente 'legalmente.'"
A assunção de que a maconha causa dependência física não tem fundamento científico. O uso, pela Dra. P., da expressão "até admitiu" revela uma postura mental julgadora/acusadora. Ela parece chocada de descobrir aquilo que todos os consultores de cannabis sabem e que não deveria ser surpresa para qualquer pessoa com senso comum: sentir-se legítimo diminui a ansiedade! O tratamento pela Dra. P. do paciente mútuo envolveu exortações antimaconha e pressão no sentido de uso das drogas corporativas preferidas dela. Lexapro é um antidepressivo SSRI (*) fabricado por Forest Pharmaceuticals. Como todos os SSRI, está vagarosa mas seguramente sendo vinculado a suicídio na literatura médica (enquanto as companhias farmacêuticas e seus pesquisadores pagos no establishment psiquiátrico confrontam cada item de evidência).
(*) SSRI - classe de drogas antidepressivas eficazes no bloqueio da reabsorção de serotonina depois da transmissão de um impulso nervoso através de uma sinapse, vide www.paxilcr.com/Glossary.jsp
A alegação da Dra. P de que o uso de maconha precipitou e agravou a ruptura do paciente com a realidade não pode ser comprovada nem desmentida. Alguns estudos publicados sugeram uma "associação" entre uso de maconha e esquizofrenia, mas não necessariamente uma relação causal. (Uma pessoa que vê demônios ou ouve vozes pode usar cannabis porque descobre que ela os aquieta.) A esquizofrenia ocorre em cerca de 1 por cento das populações adultas em todos os países e culturas, independentemente da prevalência do uso de cannabis. O uso de Marinol (THC sintético) por pacientes jovens com câncer não resultou em aumento de incidência de esquizofrenia.
Ironicamente, o componente da planta cannabis que se supõe tenha propriedades sedativas e antipsicóticas -- o cannabidiol (CBD) -- está presente apenas em traços nas variedades disponíveis para pacientes da Califórnia. Como sugerido pelo Dr. Courtney, os médicos da SCC estão frustrados por não conhecerem o teor de cannabinóides nas ervas que seus pacientes estão usando. Todos eles gostariam que houvesse disponível uma variedade com alta quantidade de CBD. Eles teriam descoberto muita coisa, em 10 anos, acerca de como elas diferem da cannabis de alto THC. A proibição sabota a pesquisa.
Fred Gardner é editor de O'Shaughnessy's - Periódico do Grupo Médico de Pesquisas de Cannabis da Califórnia (*) -- O'Shaughnessy's Journal of the California Cannabis Research Medical Group. Ele pode ser encontrado em: fred@plebesite.com
(*) O link fornecido pelo site do artigo não funcionou, portanto copio aqui o link que comigo funcionou,
http://www.ccrmg.org/journal.html