Paulo Bagunça e A Tropa Maldita, ignorados, mas verdadeiros pais do "pop eletrônico" Por Fernando Rosa
Em 1974, o selo Continental lançava um disco estranho, com o nome da banda bem grande na capa: 'Paulo Bagunça e A Tropa Maldita', que fez especialmente a cabeça da galera roqueira. Em tempos de ditadura, a expressão "Bagunça" já era uma certa provocação; "Tropa Maldita", então, nem se fala. Mas, o mais intrigante era mesmo o som dos caras, que a mídia da época classificava de "pop eletrônico". O disco acaba de ser redditado em CD por um selo argentino chamado Mariposa Discos, e já está à venda em diversos sites da internet. O registro original, da gravadora Continental, foi lançado em 1974 sem grande repercussão, sendo encontrado em sebos baratos do país até meados dos anos oitenta.
Em anúncio da revista Rolling Stone da época, o show da banda era "vendido" como sendo de "pop eletrônico", sabe-se lá que o que queriam dizer com isso na época, mas, que antecipou sonoridades de bandas como Chico Science & Nação Zumnbi e o pop negro moderno. Na verdade, a banda era uma mistura de várias influências, que iam de Jorge Ben aos ingleses Traffic, passando por percussão afro, levadas de jazz e outros sons negros da época. Em 72, em entrevista para a mesma revista, o próprio Bagunça definia sua música como algo "que vem lá de dentro, do coração, da caverna, dos sonhos e pesadelos". Na mesma época, Nelson Motta destacava o humor da banda, e outros críticos identificavam influências de Bob Dylan, John Mayall e outros expoentes da época (e de sempre).
A Tropa Maldita surgiu em meados de 1972, em um festival de música organizado pela comunidade da Cruzada de São Sebastião, na cidade do Rio de Janeiro. O festival prometia uma bolsa de estudos no Instituto Villa Lobos e a gravação de um disco - um compacto - pela Odeon, o que nunca aconteceu, ou como escreveu Luis Carlos Cabral, na RS - "fez parte do mundo dos sonhos". A banda chegou a contar com doze integrantes, mas com o passar do tempo, fixou-se em apenas cinco membros, que gravaram o disco. Além de Paulo Bagunça, cantor e principal compositor, a banda contava, a partir de 1972, com Guerra (atabaque), Oswaldo (violão), Gelson (bongô) e Flávia (baixo).
Paulo Bagunça e A Tropa Maldita eram freqüentemente apresentados, por volta de 1972, como "os crioulos do Harlem carioca" que poderiam abrir novas perspectivas para a música popular brasileira. Tanto na musicalidade, depois expressa em seu único disco, quanto na origem social a afirmação correspondia a realidade que envolvia a vida da banda. A Cruzada São Sebastião, de onde vieram, era uma espécie de favela melhorada, com dez blocos de apartamentos conjugados de dez andares, sem elevador, encravada num dos bairros mais sofisticados do Rio de Janeiro. Num desses apartamentos, no sétimo andar de um dos prédios, a banda ensaiava e escrevia sua história.
"Depois que ganhamos o festival, ficou difícil à beça pra gente arranjar lugar pra tocar e a gente tava a fim de tocar", disse Bagunça à revista Rolling Stone, em longa entrevista publicada em maio de 1972. "Ai começamos a ensaiar, por baixo nos blocos, na pracinha. Todo mundo começou a se amarrar e nós continuamos a ir pra rua, pra pracinha. Aí juntou muita gente mesmo, daí nós fomos para a praia, entramos numa outra. Mas não houve intenção ... Nós estávamos meio perdidos porque ganhamos o prêmio do festival e o cara, sei lá, deu o trambique na gente, não deu os prêmios, então partimos pra uma de conseguir as coisas sem precisar deles".
Apesar de homogêneo, o disco que agora ganha sua primeira versão digital, permite destacar algumas canções, pela sua avançada concepção, especialmente 'Grinfa Louca' (com uma batida afro alucinada) e 'Madalena' (um samba carnavelesco à la Jorge Ben, com presença de algo parecido com um moog, que dá um toque eletrônico à música). Com uma concepção arrojada de percussão, que também lembrava Santana, em certos momentos, algumas canções, como 'Apelo' ainda traziam climas orquestrais, resultado da participação do maestro Laércio de Freitas, responsável pelos arranjos do disco.
Fonte do texto: Senhor F - a revista do rock
Paulo Bagunça
1973 - Paulo Bagunça e a Tropa Maldita
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