Construtor de utopias
Por João Paulo - EM Cultura
Silvio Tendler mantém linha humanista em filme sobre Milton Santos
Caliban Produções Cinematográficas/DivulgaçãoMilton Santos é autor de obra que critica os rumos da globalização e do neoliberalismo O documentário Encontro com Milton Santos ou: O mundo global visto do lado de cá, de Sílvio Tendler, tem dois grandes desafios para resolver. Em primeiro lugar, apresentar um dos mais importantes intelectuais brasileiros contemporâneos, dono de um pensamento tão complexo quanto engajado. A segunda tarefa, ligada à primeira, é dar conta de um discurso de esquerda sem se perder no maniqueísmo. O primeiro risco é dado pela grandeza do personagem; o segundo, pela fragilidade do discurso pretensamente documental. O diretor se sai bem, mantendo a linha humanista que é própria em seu trabalho. O filme informa, emociona e faz pensar.
Milton Santos (1926-2001) nasceu em Brotas de Macaúbas, neto de escravos. Formou-se em direito e foi para França, em 1958, onde se doutorou em geografia. Escreveu mais de 40 livros, morou e lecionou na França, Tanzânia, Venezuela, Estados Unidos e Canadá, antes de retornar o Brasil. Sua obra se voltou para a compreensão e superação da padrão econômico neoliberal, defendendo os movimentos sociais e sua proposta de alargamento democrático. O filme tem como ponto de partida uma longa entrevista concedida poucos meses antes de morrer, na qual Milton Santos afirma: "O problema que me parece importante com a globalização é a segmentação da formulação dos códigos éticos. Quer dizer, há uma ética dos poderosos, que não chega a ser ética, e há uma outra ética, dos que não têm nada". Tendler não deixa dúvida sobre o lado do geógrafo.
O cineasta se esforça para localizar o pensamento de Milton Santos inserido no contexto internacional da esquerda. A opção dá mais consistência ao documentário, evitando com isso o culto do brilho da inteligência e carisma do geógrafo, em nome de uma visão de mundo. No entanto, algumas vezes essa operação coloca no texto, lido por atores (Milton Gonçalves e Fernanda Montenegro, entre outros), um acento que não se sabe se pertence estritamente ao biografado. Para quem sempre evitou o pensamento único e combateu a globalização, parece quase uma armadilha: será que não existem também sutilezas e distinções "do lado de cá"?
ENCONTRO COM MILTON SANTOS: O MUNDO GLOBAL VISTO DO LADO DE CÁ
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